"Palavras amáveis abrirão uma porta de ferro"
Provérbio turco
Naquela
segunda-feira, ela vai para o trabalho obrigada pelo seu senso de
responsabilidade. Fora descartada novamente por “ele”. Era uma estória
complicada de idas e vindas. Mais idas do que vindas. Não entendia, porque se
deixava levar de novo e de novo. Estava furiosa consigo mesma. “Que idiota!”,
pensou, enquanto ajeitava os talheres na mesa. Trabalhava em um restaurante
gourmet. Já no final do expediente, entrou na cozinha para pegar mais
guardanapos. Estava irritada. Tinha que preparar as mesas para o dia seguinte.
Enquanto procurava, lembrava daquela conversa surreal pelo chat. Ele morava em
outra cidade. Pelo jeito, a distância não protege ninguém do egoísmo e do
menosprezo alheio. Ela escuta um barulho e levanta o olhar. Vê alguém que nunca
vira por ali. “Um colega novo?”, pergunta-se. Ela o admira fixamente e, ao
mesmo tempo, tenta adivinhar de quem se trata. Ele veste um dólmã branco. “Só pode
ser o novo chef”, supôs... e supôs. Supõe tanto, que acaba sendo descoberta
pelos olhos castanhos dele. Seus olhares se atropelam. Ela, de tão sem graça,
só consegue sorrir e foge para o salão. Ele, interessado em saber quem é a moça
curiosa e de olhar lânguido, vai atrás dela sob a desculpa de conhecer os novos
colegas. Apresenta-se. Ela, sem graça, balbucia o próprio nome:
- Carla.
- Carla...,
ele repete. Ajeitando um dos guardanapos na mesa, ele diz: “não combina com
você”.
- Como
assim?
- Você
deveria se chamar Bahar.
- Bahar?
- Sim.
Bahar. Primavera. Sou filho de turcos imigrantes. De todo modo, prazer em te
conhecer.
Vira-se e
volta para cozinha, mas não entra antes de olhar para trás e sorrir. Ela retribui
o sorriso, mas fica sem entender direito aquela cena. Nervosa, olha para os
lados e volta a ajeitar as mesas. Abaixa o olhar e descobre um bilhete
escondido em um dos guardanapos: “çok güzelsin!”. Trata de terminar as tarefas e
segue rápido para casa. Mesmo cansada, liga o laptop e faz um chá. Era inverno
e o frio exigia um chá. Depois de cinco intermináveis minutos, ela consegue
finalmente ser salva pelo dicionário online. Mesmo com medo, traduz a
frase. Olha fixamente a tela do laptop com um sorriso de ponta a ponta do seu
rosto. “Você é linda!”.
Ela tenta reproduzir a frase em turco. Sem sucesso, claro. Dá gargalhadas de si mesma e de seu turco lamentável. Neste exato momento, atenta para a letra da música que toca em sua playlist: “veja por esse ponto, há tantas pessoas especiais...”; e pensa naquela demonstração de afeto inesperada. Toma um gole de seu chá, lembra do rapaz do chat e canta como se proferisse uma sentença: “it’s over, good luck!”.
Ela tenta reproduzir a frase em turco. Sem sucesso, claro. Dá gargalhadas de si mesma e de seu turco lamentável. Neste exato momento, atenta para a letra da música que toca em sua playlist: “veja por esse ponto, há tantas pessoas especiais...”; e pensa naquela demonstração de afeto inesperada. Toma um gole de seu chá, lembra do rapaz do chat e canta como se proferisse uma sentença: “it’s over, good luck!”.
3 comentários:
Acho que olhar pro lado deve ser um exercício diário. Vale também pra amizades. Esse texto poderia ser um mantra. Rs.
Nada como o "acaso" para trazer novidades! Adorei, senti aquele friozinho, p saber o final. Beijos
como diz nosso poeta Mustafary tem que estar dilatado! ... dilatar o olhar é enxergar além... permitir viver o outro e muitos outros! <3
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