terça-feira, 13 de setembro de 2016

Pingos nos ai's*



Vera chega mais cedo ao local marcado. Um restaurante ajeitadinho no centro. A conversa tinha que acontecer em um local neutro, de tendenciosas bastavam suas emoções. Estava para lá de nervosa. Sentia um daqueles tremores que anunciam terremotos. Chegando, fica indecisa qual mesa escolher. Decide-se, então, por aquela do canto. Aconchegante, discreta e coerente. Afinal, por anos deixou aquele amor jogado nos cantos de sua vida. Ele...  Acabara de se casar. Pensa nisso e sente um nó de escoteiro na garganta. Recompõem-se e espera. Ele chega e a encontra de pronto. Para um segundo para respirar fundo. Junta toda a sua bravura e segue em direção a ela. Abraça-a forte e demoradamente. Sentam-se tête-à-tête. Olham-se fixamente enquanto o garçom traz o menu. Ele, abrindo mão de small talks, quebra aquele silêncio guardado em si por anos a fio e diz:

- Ainda te esperei por três anos.
- Por que isso agora? Você acabou de casar. Não está feliz?
- Sim, muito. Segui em frente. Eu precisava dizer isso a você. Contar que por um bom tempo ainda tive esperança. Acreditei em nós. De verdade.
- Eu perdi a minha quando você se acovardou. Eu estava decidida a ir embora com você!
- Mas eu não tinha condições...
- Conversa! Uma luta à dois é sempre menos árdua. Teríamos sobrevivido juntos.
...

- Assim como sobrevivemos separados. Agora, Inês é morta. Seguimos em frente. Parabéns pelo casamento.
- Você continua casada?
...

- Sim.
- Até na covardia somos parecidos.
- Pode ser. Preciso ir. Muitas felicidades!

Ela sai apressada do restaurante já sentindo o rosto umedecer. Pega rápido um táxi e, aos prantos, volta para casa. 
Odeia-se mais do que nunca pela fraqueza de se ter deixado acomodar por tanto tempo. “Seguimos em frente”, pensa. Ela nunca saíra do lugar. Arruma uma mala com suas poucas coisas e sai. Deixa para trás um bilhete: “você está livre. Ligue para ela”. Já no táxi, ela liga para ele. Chama, chama, chama... Ele atende: “alô?”. Ela desliga. Chorando, ordena ao taxista que pare. Ela desce, paga a corrida e caminha sem destino. Desemboca em uma praça qualquer, senta na mala e, sentindo as lágrimas caírem em cascata, dá-se conta de que nunca foi livre. Enquanto precisar de alguém, não será livre; não será amor. Optar, é libertador. E hoje, finalmente, ela escolhe ficar só.
                                                                                              
*Baseado em angústias reais.

============> https://www.youtube.com/watch?v=z1k-sOC1miQ<==================

4 comentários:

Palavra Inoportuna disse...

Ficou ótimo! O título é perfeito!

disse...

Acho que essa é a história de todos em algum momento da vida. Uma pena que às vezes demoramos demais a nos dar conta. Se reconhecer só é libertador. E querer alguém, independente de quem, apenas pela companhia, é pura carência.

Unknown disse...

Oi querida, conhecer-se não é tão fácil....

Marussa Camargo disse...

Nossa, amei esse. Aceitar a solidão é para os fortes.