segunda-feira, 17 de outubro de 2016

"Vanitas vanitatum et omnia vanitas" (Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade)





“O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos. A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença”

Luís Fernando Veríssimo


Encara-se finalmente no espelho. Enganara seus parceiros, mentira para amigos, via na desgraça alheia sempre a oportunidade de tirar um a mais. Para ela, os fins sempre justificariam os meios. Transformara suas oportunidades de ser feliz em prêmios de consolação. De um jeito quase fordista, usara o tempo precioso de sua juventude para se fraudar. Olha-se no espelho e vê em suas rugas um mosaico de mentiras e futilidades. “Ela é toda líquida", talvez justificasse Baumann. Sólida mesmo, só a tristeza, até então uma desconhecida, que finalmente lhe fizera uma visita, aliás, que caíra de uma vez sobre seus ombros. O peso da responsabilidade pelos seus atos já entrara traquilamente na casa das toneladas. Doeu. E como.

“Desta vez é diferente”, dizia para si mesma, enquanto continuava a mentir em progressão geométrica. Não queria perdê-lo, mas não conseguia compreender que já o havia descartado. Era o amor “verdadeiro” surgido de uma construção quase caricatural, de tão falsa, dela mesma. Ela era uma areia movediça e, ele, a sua próxima vítima. Era uma questão de tempo para que ela o afogasse em seu lamaçal de ilusões, no qual, ele, por sinal, já estava afundado até o pescoço.

“Queria que as coisas tivessem sido diferentes”, ela diz para ele naquele último encontro. Acreditava que ele poderia ser a pessoa que a salvaria de si mesma.

Soluça de tanto sofrimento e lembra daquele último duelo de nervos.

- Por que tanta mentira? – Ele pergunta sentindo o peito em chamas e completa:
- Eu te amei tanto.
- Não sei. Fiquei com medo de te perder. Acho que nunca aprendi a fazer diferente.

...

- Por favor acredite, eu te amo! Estou falando a verdade.
- Verdade... Está aí uma palavra que definitivamente não combina contigo. Esqueça que eu existo. Por favor, não me procure mais!

De súbito, o som do telefone a traz de volta à realidade.

- Alô?
- Alô. Oi Amélia! Sou eu, Bárbara. Vais pra festa do Rogério?
- Oi, querida, Claro! Achas que vou perder? Os amigos dele são um charme! Agora que estou de novo solteira, quero é aproveitar! O Jaime vem me buscar às dez.
- Maravilha! A gente se vê lá.

Desliga o telefone, se olha no espelho e, por fim, enxerga-se. Pensa: “és patética”. Olha para o relógio que já marca nove horas da noite. Toma um gole da Vodka que lhe fizera companhia até ali e com um removedor de maquiagem, limpa o rastro da tristeza deixado pelo desespero de há pouco.

Já pronta, olha-se mais uma vez no espelho e pensa “assim está bem melhor” e sai. No elevador lembra de suas palavras “queria que as coisas tivessem sido diferentes” e sabe que, no fundo, mentira mais uma vez. Não quis fazer diferente, por isso não fizera diferente. Para ela, a mentira sempre a protegeria de si mesma.

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