segunda-feira, 6 de junho de 2016

Auto-reconciliação

Fonte: http://www.reflexosonline.com/

Ela entra em casa às pressas e transtornada. Vai direto ao quarto. Seu cômodo preferido até aquele dia. Está decidida a achar algo que lhe emprestasse coragem para deixá-la. Ela a enganara. Mais uma vez. Mais uma maldita vez! Ela abre gavetas, armários, revira suas roupas e quando chega em seus livros, congela. Olha fixamente para aquele livro que leram juntas, que as fez chorar, que as fez amar uma a outra. Diversas vezes. Com o rosto já inundado e exausta de sofrer, descobre uma página marcada com sua foto. Era a foto preferida de Fabrícia. Ela desembaça os olhos com as mãos trêmulas e lê: “No fundo, a superfície é super fácil de explorar. A covardia brinca de boiar na vida e a coragem opera em águas profundas”. Desespera-se. Mas nem o desespero fez com que maltratasse um livro. Ela o coloca cuidadosamente de volta à estante. E logo em seguida, implode. Na falta de um chão sob os pés, derrama-se sobre o sofá ainda com o cheiro da memória delas duas. Chora inconsolavelmente.

Fabrícia abre a porta cuidadosamente e entra. Ouvindo a respiração forte e soluçante de Rebeca, entende que para ela hoje, existir, é apenas resultado da tirania de sua condição biológica saudável. Aproxima-se e senta no chão ao lado do sofá. Respira fundo, levanta o olhar que vai de encontro aos olhos de Rebeca marcados pela dolorosa decepção rubra e diz:
- Você está certa. Eu errei. E muito. Prometi coisas sabendo que não iria cumprí-las. Fui uma fraude. Eu te amo, mas tenho falhas, que insisto por algum motivo em alimentar. Não estou te fazendo bem. Fique à vontade pra me deixar. Defenda-se. Eu não valho a decapitação da tua autoestima.

Rebeca ouve o estrondo da porta batendo com força e acorda assustada. Fabrícia invade o quarto histérica. Aos prantos, abraça Rebeca, agora sentada, e descontrolada pede:
- Me perdoa, beca! Eu não quero te peder. Prometo que nunca mais te magoou desta maneira estúpida. Me dê mais uma chance. Eu te amo, eu te amo! Por favor! Eu te imploro!

Rebeca olha fixamente para Fabrícia e percebe que elas, por teimosia ou egoísmo, ou ambos, haviam desfigurado irremediavelmente aquilo a que chamaram de amor. Sua sensibilidade estava triturada. Mas finalmente compreende. Seu amor-próprio enfim lhe estendera a mão. Olha para Fabrícia pela última vez, sorri levemente e sai. De uma vez e com delicadeza. Enquanto caminha, voltando lentamente a sentir o chão debaixo dos pés, percebe que o sol se põe as suas costas. Pára, vira-se para olhar o sol se pondo e, enfim, segue em frente.


                                                                                                                   

3 comentários:

disse...

Que doído... Todo fim é doído, mesmo os inevitáveis, mesmo os inadiáveis. Mas necessários para mantermos a sanidade. Ouvi o som da liberdade daqui.

Nair vansiler disse...

Sensível... Muito bom!

Unknown disse...

Delicado e profundo...mas antes de tudo muito real!