Fonte: http://www.reflexosonline.com/
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Ela entra em casa às pressas e transtornada. Vai
direto ao quarto. Seu cômodo preferido até aquele dia. Está decidida a achar algo que lhe emprestasse coragem para deixá-la. Ela a enganara. Mais uma vez. Mais uma
maldita vez! Ela abre gavetas, armários, revira suas roupas e quando chega em
seus livros, congela. Olha fixamente para aquele livro que leram juntas, que as
fez chorar, que as fez amar uma a outra. Diversas vezes. Com o rosto já
inundado e exausta de sofrer, descobre uma página marcada com sua foto. Era a
foto preferida de Fabrícia. Ela desembaça os olhos com as mãos trêmulas e lê: “No
fundo, a superfície é super fácil de explorar. A covardia brinca de boiar na
vida e a coragem opera em águas profundas”. Desespera-se. Mas nem o desespero
fez com que maltratasse um livro. Ela o coloca cuidadosamente de volta à estante.
E logo em seguida, implode. Na falta de um chão sob os pés, derrama-se sobre o sofá
ainda com o cheiro da memória delas duas. Chora inconsolavelmente.
Fabrícia abre a porta cuidadosamente e entra.
Ouvindo a respiração forte e soluçante de Rebeca, entende que para ela hoje, existir, é apenas
resultado da tirania de sua condição biológica saudável. Aproxima-se e senta no
chão ao lado do sofá. Respira fundo, levanta o olhar que vai de encontro aos olhos de Rebeca
marcados pela dolorosa decepção rubra e diz:
- Você está certa. Eu errei. E muito. Prometi
coisas sabendo que não iria cumprí-las. Fui uma fraude. Eu te amo, mas tenho
falhas, que insisto por algum motivo em alimentar. Não estou te fazendo bem. Fique à vontade pra me deixar. Defenda-se. Eu não valho a decapitação da
tua autoestima.
Rebeca ouve o estrondo da porta batendo com força
e acorda assustada. Fabrícia invade o quarto histérica. Aos prantos, abraça
Rebeca, agora sentada, e descontrolada pede:
- Me perdoa, beca! Eu não quero te peder.
Prometo que nunca mais te magoou desta maneira estúpida. Me dê mais uma chance.
Eu te amo, eu te amo! Por favor! Eu te imploro!
Rebeca olha fixamente para Fabrícia e percebe
que elas, por teimosia ou egoísmo, ou ambos, haviam desfigurado irremediavelmente aquilo a que chamaram de amor. Sua sensibilidade estava triturada. Mas finalmente compreende. Seu
amor-próprio enfim lhe estendera a mão. Olha para Fabrícia pela última vez,
sorri levemente e sai. De uma vez e com delicadeza. Enquanto caminha, voltando
lentamente a sentir o chão debaixo dos pés, percebe que o sol se põe as suas
costas. Pára, vira-se para olhar o sol se pondo e, enfim, segue em frente.
3 comentários:
Que doído... Todo fim é doído, mesmo os inevitáveis, mesmo os inadiáveis. Mas necessários para mantermos a sanidade. Ouvi o som da liberdade daqui.
Sensível... Muito bom!
Delicado e profundo...mas antes de tudo muito real!
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